Estava em uma destas casas de chá aguardando sua esposa, pois não tinha paciência de andar por aquelas ruas movimentadas do centro de São Paulo. Quando os setenta anos já foram há muito superados, a vida começa a impor certos obstáculos físicos, muitas vezes difíceis de se transpor. O espírito ainda é jovem e fugaz, mas o corpo não mais obedece aos seus comandos de imediato e então resta se contentar com a experiência traduzida no rosto pelas rugas.
Pediu um chá de limão sem açúcar e antes que pudesse saborear a tépida bebida, seus olhinhos se fixaram na abinha do sachê. Colocou os óculos lentamente e leu o que estava escrito:
“Nos olhos de um jovem arde a chama. Nos do velho brilha a luz (Victor Hugo)”.
Sorriu de lado, mais uma de suas crenças se confirmava. Ele acreditava piamente nos sinais divinos, sabia que os Deuses brincavam conosco o tempo todo e que colocavam as pessoas certas nos lugares certos para desfrutarem de sua sabedoria.
E aquele era um desses momentos. Sentia o peso da idade no corpo, mas ao mesmo tempo sentia sua alma pulsar como se o tempo não tivesse passado.
Mas não podia reclamar, afinal havia aproveitado muito bem os tempos de juventude. Ainda se lembrava de quando encontrou sua esposa pela primeira vez, ela era uma garota sonhadora e ele um jovem poeta, destes que vêem a beleza onde os outros não enxergam de imediato.
Sua sensibilidade poética havia feito dele um exímio observador da alma humana, e uma questão que sempre lhe ocorria era a do aprendizado ao longo da vida. Em seus julgamentos se perguntava: De que adianta adquirir cultura e sabedoria se não for para compartilhar? Ele mesmo procurava compartilhar as lições aprendidas e incitava seus filhos e netos a fazerem o mesmo.
Considera que o conhecimento restrito apenas para quem o obteve é como água represada que acaba por apodrecer, diferente da água corrente que fertiliza o solo, evapora e retorna com a chuva em um ciclo infindável e que beneficia a todos.
Divagando sobre o assunto, entre um e outro gole de chá, chegou a conclusão que deste mundo nada se leva de material quando partimos. Mas podemos deixar boas lembranças e ensinamentos. E a sabedoria que naturalmente vem ao longo do caminho é uma riqueza que vamos adquirindo aos poucos, dia a dia, obstáculo a obstáculo transposto. A cada momento temos a oportunidade de aprender, seja com os nossos erros, seja com os nossos acertos.
Pousou a xícara no pires e ficou com uma expressão séria, pensou nas pessoas que desperdiçavam a chance de aprender a cada dia. Havia muitas pessoas que se julgavam donas da verdade, completas e absolutas. Conheceu muitas pessoas assim, para estas ele lamentava pelo quanto estavam cegas por dentro.
Aprendeu ao longo do caminho que a sabedoria não é apenas para os cultos e os intelectuais, ela reside também nos mais humildes e com mais facilidade, pois o conhecimento vivido e não apenas lido fica gravado na alma. Todos trazemos as marcas das batalhas e com cada uma delas vamos nos lapidando, caindo e levantando!
Já terminava o chá quando avistou sua esposa à sua procura, ele a olhou com os mesmos olhos iluminados da juventude, certas coisas o tempo não consegue apagar. Ela era o seu maior presente, sua companheira e a mulher mais doce que já conhecera. O amor daquela mulher fez com que ele mergulhasse no profundo de si mesmo, tanto para entender o que sentia como para buscar o que havia de mais belo em si e lhe oferecer.
Pagou a conta e foi em direção à sua esposa com a certeza de que o conhecimento do amor verdadeiro é a forma mais completa de se alcançar a sabedoria.
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