
Acordou com azia. Mais um dia de trabalho. Aquela semana não acabava nunca? Chegou atrasado para a reunião de líderes, justo a que o diretor da sua área compareceria. Dez minutos antes, perdera a vaga para um engraçadinho que se fingiu de morto e estacionou primeiro. Ele teve o ímpeto de fazer o fingimento se tornar realidade, mas desistiu da idéia porque sabia que já estava atrasado e não queria se tornar um homicida e um desempregado no mesmo dia.
A reunião não poderia ter sido mais terrível, um verdadeiro show de horror, o diretor era tão polido quanto um mastodonte e (pior!) tinha a plena certeza de que era a versão melhorada de Maquiavel nos planos estratégicos. Lamentável…
Quando olhou no relógio já eram duas da tarde e nada dele poder sair para almoçar e respirar um pouco. Então, já que o almoço tinha ido para o espaço, resolveu sair tão logo as dezoito horas chegassem.
Anoitecia quando pisou na calçada, deu um longo suspiro. Que dia!
Manobrava o carro quando se deu conta de que havia esquecido o celular em sua mesa, voltou para buscar rapidamente.
Minutos depois, já cansado, entrou no carro e não percebeu que haviam aproveitado sua distração.
Parou no farol vermelho e ao olhar no espelho percebeu que não estava sozinho. A primeira reação foi de incredulidade, não entendia como alguém tinha entrado em seu carro.
Mas assim que sentiu o canivete em seu abdômen, se lembrou de que deixou a porta do carro destravada, confiante de que não demoraria na operação de ir e voltar.
– Entra à esquerda na próxima rua e nem um pio, senão te furo!
– Ca-calma… Já estou entrando… Mas é uma rua sem saída…
– É esta mesmo!
Chegando na ruazinha mal iluminada, agilmente escolhida pelo ladrão, sentiu que assim como o dia, a noite também seria longa. O larápio exigiu que ele saísse do carro e deixasse tudo, celular, carteira, documentos e até o paletó. Pensando bem, a gravata também era bonita…
Obedeceu a todas as exigências sem protesto algum, já tentando buscar na memória os números de telefone do seguro.
De tão obediente que fora, o ladrãozinho de voz fina desconfiou de suas intenções e tratou de retardar a sua busca por qualquer tipo de ajuda.
Saiu decidido do carro e então ele pôde ver que o assaltante era bem alto e corpulento, forte demais para uma briga justa, além de estar com um canivete.
Quando o assaltante saiu da viela com os pneus cantando, ele estava caído no chão com um corte não muito profundo na barriga, mas o suficiente para sangrar e apavorá-lo.
A dor muito fina que sentia foi suficiente para retardar o seu passo. Teve que quase se rastejar até a avenida mais próxima e implorar para que o ajudassem. Os transeuntes andavam apressados e não queriam se envolver. Só depois de quase meia hora uma senhora parou e o ajudou a chamar um táxi.
O caminho para o hospital foi um capítulo à parte. Os minutos não passavam e os segundos desfilavam vagarosamente pirracentos, gozando de sua dor. Suava frio. Perdia sangue. Estava exausto.
Quando enfim chegou ao hospital, foi medicado e levou os pontos necessários. Foi liberado em seguida, com uma receita repleta de remédios e recomendações.
Agora a segunda parte. Avisar a seguradora do roubo do automóvel e em seguida procurar uma delegacia para o boletim de ocorrência. Com a seguradora foi relativamente rápido, sem contar os quarenta e cinco minutos de espera ouvindo uma irritante musiquinha. Mas na delegacia… A espera foi grande, o delegado estava em uma mega operação para prender uma quadrilha de assaltantes que estava lhe tirando o sono desde Abril. Do ano retrasado.
Quando chegou em casa e finalmente foi dormir, eram exatamente vinte e três horas e cinqüenta e oito minutos. Foi então que se deu conta. Faltavam dois minutos para o seu aflitivo dia acabar. Era uma sexta-feira, 13 de Agosto.
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Texto publicado originalmente no blog “Soltando o Verbo” e desempoeirado a pedidos.
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