Inevitável monólogo

17 03 2009

O Pensador

O Pensador” (Detalhe) , de Auguste Rodin (1840-1917).

 

– Estou cansada. Chega por hoje. Preciso dormir e sonhar que está tudo bem.

“Você sabe que não está tudo bem”

– Mas é claro que está tudo bem!

“Ele te amava, só estava bêbado…”

– Não! Ele não me amava! Ele me bateu! E se ferrou bonito!

“Não justifica o que você fez”

– O que fiz foi para me defender!

“O que você fez foi covardia, havia outras maneiras de resolver o assunto”

– Que maneiras?

“Você podia ter procurado ajuda”

– Quem iria ajudar uma prostituta?

“Antes da prostituta vem o ser humano, a mulher…”

– A mulher… Fala como se não soubesse o crédito que uma prostituta tem… Nenhum!

“Vá na polícia e conte a verdade, se entregue”

– Você só pode estar louca! Jamais farei isso!

“É o correto”

– É o correto? Amargar anos numa penitenciária por um homem que me bateu?

“Você quer dormir e sonhar?”

***

Naquela madrugada e em outras que se seguiram eu não dormi. Não sonhei.

Ela não deixava! Horas a fio me perturbando com esta história. Sempre a mesma história. Até o dia em que eu cansei de ouvir a sua voz a me acusar.

Foi um único tiro. Depois o coma. Assim consegui silenciá-la.





A louca de hoje

16 02 2009

Dor. É a única coisa que eu sinto. Queria tanto uma beberagem mágica que fizesse a dor passar. Não a dor física, esta até me ajuda a perceber que ainda estou viva e que meu coração, apesar dos pesares, ainda bate no peito. Forte, intenso, profundo, agoniado, sufocado. Cansado, mas ainda relutante em ceder e me proporcionar a paz eterna.

Esta noite eu rezei como há muitos anos não rezava, desde que passei a não mais acreditar em crenças coletivas, moldadas por dogmas nos quais eu não acredito. Rezei para que algum mega cometa ou meteoro incandescente cruzasse a rota da Terra e acabasse com tudo, definitivamente.

Em meio às preces, imaginei uma garotinha esperando o sinal fechar para os carros para então, conduzida por sua mãe, atravessar a rua e continuar o caminho para a escola. No momento em que o sinal fechasse, o meteoro colidiria com nosso planeta e então tudo estaria acabado.

E eu teria feito um favor a ela se os Deuses tivessem ouvido as minhas preces.

Mas como o sol se ergueu no horizonte trazendo um novo dia, entendi que a prece de uma alma decepcionada com este mundo não foi suficiente para que os Deuses decidissem acabar com tudo.

Agora a garotinha vai crescer, vai se tornar uma mulher linda, inteligente e talentosa. Perfeito. Espero que ela consiga conviver com isso. Torcerei para que ela atinja o equilíbrio que eu persigo e que jamais alcanço. Desejo que o meio termo que satisfaz a todos possa satisfazê-la também.

Quando o dia de hoje ceder lugar a mais uma noite, mudarei os rumos das minhas preces. Rezarei para que ela jamais encontre em seu caminho pessoas que invejem suas qualidades e que queiram roubar para si a sorte destinada a ela.

Que jamais cruze seu olhar com alguém que enxergue apenas as curvas do seu corpo. Que seus amigos sejam realmente amigos e não pessoas interessadas em seu próprio prazer. Que ela jamais se depare com a podridão que exala das pessoas mal intencionadas, que se aproximam para machucá-la e deixá-la ainda mais triste.

Que ela possa sobreviver a esta selva de concreto, infestada de pessoas egoístas e hipócritas, que possa brilhar e ser feliz, apesar de tudo isso. Que o seu sucesso incomode mesmo, bastante, demais! Mas que ainda assim ela nunca deixe de ser quem ela é. Que seja fiel aos seus sentimentos, sejam eles nobres ou incontrolavelmente torturantes.

Que suas crises de pânico sirvam para deixá-la fortalecida, pois ela acabará entendendo que não adianta rezar para que tudo acabe. O mundo não parará de girar se ela sentir dor, se ela entender que a grande verdade a ser descoberta é que estamos neste mundo para termos nossas verdades testadas o tempo todo.

Não adianta rezar meu anjo, os Deuses estão surdos para nós. Não me odeie por desejar que tudo se acabe. Sou a louca de hoje, mas posso ser a sábia de amanhã.

Mulher de braços cruzados

“Femme aux bras croisés” (1901-02), de Pablo Picasso.





O silêncio que precede o trovão

1 11 2008

Trovão

O ambiente está imerso em escuridão. O único lampejo de luz que visualizo são os raios que cortam o céu prenunciando uma grande tempestade.

Um rápido flash de luz e em seguida o silêncio estarrecedor. Depois o som estrondoso de um trovão. Sinto nas entranhas de minha alma a chama ardente que me consome durante os dias e as noites.

O silêncio que parece infinito acentua meus pensamentos malditos, quase posso sentir o calor de sua pulsação, mesmo que não estejas aqui agora.

Agonia, dor e amor se misturam em quantias dolorosamente iguais, fazendo com que meus sentidos fervilhem! E mais uma vez a escuridão é invadida por um rápido lampejo de luz e depois o silêncio…

Sinto a respiração ofegante e o arrepio que percorre o meu corpo todo, em seguida o estrondo de mais um trovão, trazendo a esperada chuva que apesar de intensa, cai como um bálsamo para esta alma atormentada.

Agora não há mais o doloroso silêncio, apenas o som das gotas que caem apressadas do céu, desesperadas por cumprir a missão de molhar a terra e a tornar mais fértil e promissora.

O som da chuva acalenta a dor, que vem com uma força espantosa, chega ao seu ápice e vagarosamente acaba se esvaindo trazendo alívio e uma momentânea sensação de paz.

Meu corpo pesa sobre o leito, os músculos, antes retesados, vão aos poucos relaxando, mas a mente… Esta nunca vacila! Está sempre à espreita, sempre com pensamentos amaldiçoados pelo bom senso de quem sabe que amar é correr o risco de sentir dor.

Enfim adormeço, mas não sem antes perceber o ultimo flash que ilumina a escuridão do quarto e me trás novamente o perturbador silêncio que precede o trovão.





As duas em mim

1 11 2008

Ás vezes não me reconheço, sou uma e sou outra. Uma quer se entregar à você e ser tua para sempre, mas a outra jamais admitiria tal submissão!

Uma é sensata, o equilíbrio a acompanha constantemente, é a tradução do amor denso e inesquecível! A outra é independente e explosiva, perturbadora! Com a intensidade do calor de um vulcão no olhar, a paixão exacerbada!

Esta que o beija com ternura, que sente o corpo estremecer com o seu toque também abriga aquela que faz seus lábios flamejarem com o calor do seu desejo.

Qual delas o ama mais? Qual delas é a verdadeira? Não sei… Talvez as duas.

As duas em mim despertam e adormecem com a mesma facilidade com que a lua se livra das nuvens que encobrem o seu brilho. Vivem e morrem no corpo de uma mulher que ama, que aguarda aquele que decerto também luta contra os dois que o arrebatam. Aquele que em um momento explode em sua ira, bradando maldições e em outro sente seu mundo vazio e chama meu nome baixinho.

Quando iremos enfim nos encontrar?

Das duas em mim e dos dois em ti, qual será o enlace perfeito? O colérico e a apaixonada ou o voluptuoso e a amaldiçoada?

O colérico irá perder o ar e abrandar o seu ódio ao ver o brilho no olhar da apaixonada e o voluptuoso… Ah… Este ficará fascinado pela sensual melancolia da amaldiçoada!

De nada adiantarão suposições, pois as duas em mim e os dois em ti se completarão a ponto de não serem mais dois, mas apenas um!