Dor. É a única coisa que eu sinto. Queria tanto uma beberagem mágica que fizesse a dor passar. Não a dor física, esta até me ajuda a perceber que ainda estou viva e que meu coração, apesar dos pesares, ainda bate no peito. Forte, intenso, profundo, agoniado, sufocado. Cansado, mas ainda relutante em ceder e me proporcionar a paz eterna.
Esta noite eu rezei como há muitos anos não rezava, desde que passei a não mais acreditar em crenças coletivas, moldadas por dogmas nos quais eu não acredito. Rezei para que algum mega cometa ou meteoro incandescente cruzasse a rota da Terra e acabasse com tudo, definitivamente.
Em meio às preces, imaginei uma garotinha esperando o sinal fechar para os carros para então, conduzida por sua mãe, atravessar a rua e continuar o caminho para a escola. No momento em que o sinal fechasse, o meteoro colidiria com nosso planeta e então tudo estaria acabado.
E eu teria feito um favor a ela se os Deuses tivessem ouvido as minhas preces.
Mas como o sol se ergueu no horizonte trazendo um novo dia, entendi que a prece de uma alma decepcionada com este mundo não foi suficiente para que os Deuses decidissem acabar com tudo.
Agora a garotinha vai crescer, vai se tornar uma mulher linda, inteligente e talentosa. Perfeito. Espero que ela consiga conviver com isso. Torcerei para que ela atinja o equilíbrio que eu persigo e que jamais alcanço. Desejo que o meio termo que satisfaz a todos possa satisfazê-la também.
Quando o dia de hoje ceder lugar a mais uma noite, mudarei os rumos das minhas preces. Rezarei para que ela jamais encontre em seu caminho pessoas que invejem suas qualidades e que queiram roubar para si a sorte destinada a ela.
Que jamais cruze seu olhar com alguém que enxergue apenas as curvas do seu corpo. Que seus amigos sejam realmente amigos e não pessoas interessadas em seu próprio prazer. Que ela jamais se depare com a podridão que exala das pessoas mal intencionadas, que se aproximam para machucá-la e deixá-la ainda mais triste.
Que ela possa sobreviver a esta selva de concreto, infestada de pessoas egoístas e hipócritas, que possa brilhar e ser feliz, apesar de tudo isso. Que o seu sucesso incomode mesmo, bastante, demais! Mas que ainda assim ela nunca deixe de ser quem ela é. Que seja fiel aos seus sentimentos, sejam eles nobres ou incontrolavelmente torturantes.
Que suas crises de pânico sirvam para deixá-la fortalecida, pois ela acabará entendendo que não adianta rezar para que tudo acabe. O mundo não parará de girar se ela sentir dor, se ela entender que a grande verdade a ser descoberta é que estamos neste mundo para termos nossas verdades testadas o tempo todo.
Não adianta rezar meu anjo, os Deuses estão surdos para nós. Não me odeie por desejar que tudo se acabe. Sou a louca de hoje, mas posso ser a sábia de amanhã.
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“Femme aux bras croisés” (1901-02), de Pablo Picasso.
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