Onde buscar inspiração para a criação de personagens?

26 03 2020

lucianamuniz.com - Criação de Personagens

Quem passou pela experiência de criar personagens deve ter notado que torná-los verossímeis nem sempre é uma tarefa fácil.

Ao longo dos anos me dediquei ao estudo das técnicas de criação literária, em específico da construção de personagens e digo que me apaixonei pelo tema.

Devorei inúmeros livros, contudo foram poucos os que influenciaram a forma como passei a desenvolver as personalidades que dão vida às minhas histórias.

Títulos como o icônico “Como criar personagens inesquecíveis” , da Linda Seger, abriram minha mente para um mundo de possibilidades, ao explorar, por exemplo, o campo das consistências e paradoxos de um personagem:

“(…) você faz determinadas perguntas. Observa certas coisas. Reflete sobre sua própria experiência. Vive novas experiências e as testa frente às consistências da personalidade da sua personagem. Pensa em detalhes que sejam únicos e imprevisíveis”.

A escrita me proporciona idealizar diversas personalidades e percebo que meu processo de criação de protagonistas e antagonistas é mais instintivo, porém a facilidade que costumo ter com estes não ocorre com os coadjuvantes.

E é sobre isso que desejo conversar hoje: fontes de inspiração para a construção de personagens. Decidi criar este artigo ao reler meus rascunhos e encontrar anotações que utilizei para compor personagens secundários.

Certas personas possuem o que chamo de “características emprestadas” de pessoas reais, seja um tom de voz, um tique ou um mau hábito bizarro. E isso me ajuda não somente a diversificar como também acrescentar particularidades de forma natural.

O fato que considerei digno de nota foram os apontamentos sobre pessoas que em alguma época conviveram comigo e me inspiraram algo que pudesse ser utilizado em meus personagens.

Vou detalhar um exemplo de (muitos) anos atrás: na época eu era estagiária de TI, alocada em uma empresa do setor químico e sentava nas baias que ficavam em frente à área jurídica.

Atrás de mim se sentava um advogado dono de uma voz de barítono, com vocabulário rico, usava ternos impecáveis e me lembro que tinha olhos azuis e os cabelos totalmente brancos, um típico senhor refinado.

Mas… Possuía um mau hábito que passou a ser motivo de gargalhadas naquela ala da empresa.

Ele tinha o costume de escarrar na lixeira ao lado de sua mesa, sem se preocupar com os (altos) sons que emitia.

E todas as manhãs, e muitas vezes ao longo da tarde também, éramos premiados com sua sinfonia repugnante enquanto tentávamos executar nossas tarefas.

Confesso que no começo eu tinha um certo pudor de rir, mas com o passar do tempo, gargalhava sem me importar se ele percebia e depois veio a fase da repulsa por sua falta de educação.

E como era impossível ignorar sua ‘melodia’ asquerosa, decidi usar sua excentricidade em um personagem do meu experimento com noveletas cômicas.

Foi desta forma que um conde do período imperial brasileiro passou a ter algumas características deste advogado: certa reputação por sua experiência, conhecimentos e status social, mas sem qualquer polidez.

Admito que lhe sou grata por ter contribuído na caracterização de um personagem tão inusitado.

E assim fui refinando meu hábito de observar e montei um repertório particular para a construção de personagens.

O próprio Stephen King fala sobre isso em seu livro “Sobre a escrita: a arte em memórias”:

“(…) todos os personagens têm um pouco do autor. (…) Além das versões de você, entram as características boas e ruins do personagem, observadas em outras pessoas (um cara que tira meleca do nariz quando acha que não tem ninguém olhando, por exemplo). Também há um maravilhoso terceiro elemento: pura imaginação, sem limites.”

Nas reflexões sobre este tema, percebo que pelo fato de cada um de nós sermos únicos em nossas combinações de características, comportamentos e experiências, a observação de si e dos demais se torna uma fonte rica para a criação de personagens.

Nós temos diversas facetas, não temos? Sendo assim, defendo que os personagens também devem ter as suas, que podem ser mostradas abertamente ao longo do enredo ou somente incitarem a imaginação do leitor. As possibilidades são muitas!

E observando minhas preferências literárias, concluí que os personagens que me instigam são aqueles em que desvendo sua psicologia ao longo da história. Costumam ser personagens bem trabalhados, não estereotipados e descritos com um realismo que os tornam críveis.

Um exemplo que sempre cito é o Dr. Hannibal Lecter, o psiquiatra canibal e fascinante de Thomas Harris.

Outro ponto que tenho o costume de observar é como os personagens reagem aos diversos estímulos que o enredo propõe. Suas ações estão de acordo com a personalidade descrita até aquele ponto? Ressoa com os seus valores morais ou com os seus objetivos?

Consistência na essência do personagem conta e conta muito em um enredo.

Sobre este aspecto o estudo dos arquétipos também colabora para a elaboração consistente de personagens. O livro da Carol S. Pearson “O despertar do herói interior” descreve os diferentes tipos de arquétipos e seus comportamentos típicos:

“(…) os arquétipos, cada um dos quais ilustra uma maneira de ser durante a jornada. O despertar do herói interior explora doze desses guias interiores: o Inocente, o Órfão, o Guerreiro, o Caridoso, o Explorador, o Destruidor, o Amante, o Criador, o Governante, o Mago, o Sábio e o Bobo. Cada um deles tem uma lição para nos ensinar (…)”.

Mas se você não é inclinado aos estudos do comportamento humano como eu, deixo aqui uma sugestão: adaptar fichas de personagens usadas em jogos de RPG (role playing game).

Essas fichas de personagens são fáceis de encontrar na web e funcionam como um checklist de pontos importantes a se observar na concepção de um personagem.

No meu caso, a cada projeto literário acrescento novas seções para descrever tipos psicológicos, habilidades físicas, sociais, profissionais, etc. Tudo de acordo com o tipo de personagem e sua relevância na história. Fica aqui a dica.

E você? Onde busca inspiração para criar seus personagens? Conte-me nos comentários. 😊

Gostou desse artigo e acredita que ele pode ajudar um amigo a construir personagens ainda melhores? Compartilhe-o nas redes sociais.





O Morro dos ventos uivantes

14 06 2011

Cathy e Heathcliff

Lembro que assisti ao filme pela primeira vez motivada pela curiosidade com o título, depois fui tragada pela força da história e fiquei me perguntando: “Por que diabos aqueles dois que se amam de forma tão profunda não ficam juntos?”.

Era ainda muito nova para entender as entrelinhas, mas mesmo assim gostei do filme. Recentemente comprei o DVD e revisitei a história dos amantes amaldiçoados, desta vez compreendendo a real magnitude da obra. E como o livro estava na fila de leituras, resolvi mais uma vez permutar as prioridades e ler a obra prima de Emily Brontë.

Como é de se esperar em um romance, a forma como os personagens foram se desenvolvendo a cada fase da história, motivados por seus interesses e também pelo ambiente em que estavam inseridos, revela o quanto uma pessoa pode mudar seus hábitos, se adequando às situações. Um bom exemplo disso é a jovem filha de Cathy Earnshaw, que de suave e instruída passa a se comportar como um animal feroz e acuado, beirando a insensibilidade. Atitude natural quando é preciso se defender de um ambiente opressor.

Já Heathcliff, sempre silencioso e sombrio, nos mostra a face feroz do amor, capaz das mais sádicas ações para impor a todos sua dor.

Sua bela amada, Cathy Earnshaw se mostra sanguínea e pode até não ter o carisma de uma protagonista, mas me ganhou em uma cena repleta de lirismo, onde confessa o amor que sente por Heathcliff. Esta cena, que também é reproduzida no filme, é emblemática e comovente e marca o ponto onde suas escolhas começam a gerar efeitos.

A história não se limita aos desencontros dos amantes, relata em paralelo os caminhos das duas famílias (os Earnshaw e os Linton) entrelaçadas com habilidade pela frieza de Heathcliff que persegue seu objetivo vingativo obstinadamente. Neste ponto não defendo as ações de Heathcliff, mas a genialidade da autora em escrever um romance tão rico em carga dramática, com personagens densos, que se degradam psicologicamente em um ambiente de atmosfera hostil.

No livro há mais detalhes, contados de forma minuciosa pela criada Nelly, que ao longo dos anos serviu as duas famílias e conhece os protagonistas desde a infância. O leitor consegue perceber aos poucos a influencia de Heathcliff sobre os membros remanescentes dos Earnshaw até o desfecho, quando um sopro de ar renovado nos conduz às ultimas linhas desta bela história de amor, um amor capaz de desdenhar até mesmo da morte.

O Livro

BRONTË, Emily. “O morro dos ventos uivantes”

Tradução de Rachel de Queiroz.

São Paulo: Abril, 2010.

Título Original: “Wuthering Heights”.

448 páginas.

O Filme

Título no Brasil: O Morro dos Ventos Uivantes.

Título Original: Wuthering Heights.

País de Origem: Reino Unido / EUA.

Gênero: Drama.

Tempo de Duração: 102 minutos.

Direção: Peter Kosminsky.





O processo criativo e o lapidar do estado bruto

16 05 2011

O processo criativo e o lapidar do estado bruto

 

Quando estava planejando aquele que denominei projeto Alpha, fiz o exercício de escrever a sinopse de todos os enredos que iria trabalhar.

Este exercício fez com me desse conta de uma série de recorrências em meus textos, que mostram nada mais do que projeções psicológicas de alguém acostumado a transmitir para o papel não apenas suas impressões, mas muito de seus pensamentos incontidos.

E um dos temas recorrentes em meus originais é a noiva que abandona o noivo no altar, seja por não amá-lo, por uma fagulha de lucidez ou o simples fato da não abdicação da liberdade.

O segundo tema recorrente é a vingança, a forma de cada personagem de fazer a sua desforra e provar algo, seja a si mesmo, seja àqueles que lhe humilharam.

A superação de uma ação tomada (muitas vezes injustamente) contra si é algo que impulsiona protagonistas e antagonistas a amadurecer e se libertar daquilo que os oprime.

Há também a recorrência daquilo que chamo de “síndrome da phoenix”, o protagonista segue com seus desafios, quase morre, mas ressurge revigorado, após experimentar o aprendizado pela dor.

Foi fantástico perceber estas recorrências e mais ainda entender que o que difere um protagonista de um antagonista nos meus enredos é a forma como ele lida com a ética e com os sentimentos alheios.

Ambos têm qualidades significativas e defeitos, afinal todos nós também temos, já que a imperfeição é uma característica inerente da espécie humana.

E é justamente isso o que procuro preservar nos textos, o lado humano dos personagens, aqui não há lugar para protagonistas inocentes e desprevenidos, isso é utopia!

No século XXI quem age como um(a) mocinho(a) dos folhetins do século XIX não convence.

Por este motivo sou fã dos anti-heróis, é uma das formas mais fáceis de humanizar um personagem, além de ser mais divertido, confesso.

Por que esperar pela ultima página para conhecer a desforra do protagonista se ao longo do texto ele também pode ir deixando a sua marca?

Não é absolutamente necessário que o antagonista se dê bem ao longo de toda a história e encontre seu castigo somente no final, o protagonista também pode (e deve) dificultar os seus passos.

Contudo, para que este discurso em favor dos anti-heróis funcione é necessário o termômetro que indique a medida certa, a lapidação do estado bruto.

É nesta hora que as técnicas literárias entram em cena, neste fumegante caldeirão de ideias e preferencias, as pitadas devem ser meticulosamente dosadas a fim de proporcionar aos leitores textos apetitosos, dignos de releituras futuras.

Desta forma concluo que um bom escritor é também um lapidário, naturalmente no sentido figurado, já que faz parte do nosso ofício lapidar ideias brutas com a pretensão de transformá-las em um produto do entretenimento.





Filosofia iluminando Trevas

2 08 2010

filosofia iluminando trevas

 

Aconteceu de novo. Após terminar a leitura da versão três do meu primeiro romance, a sensação de “Ainda não é isso…” insistia em se fazer presente.

Então voltei ao doloroso (e necessário) exercício de autoanálise, torcendo para encontrar o motivo de tanto descontentamento.

E encontrei.

Simples? Claro que não!

Boa parte dos escritores são pessoas sensíveis, observadoras e um tanto (em alguns casos muito) egocêntricas. Aqueles do tipo que uma crítica sobre o seu texto gera uma avalanche de outros textos, difamando o ser que se atreveu a fazer uma análise do que leu.

Não serei hipócrita de negar que certas críticas, mesmo construtivas, doem. Mas são necessárias. E foram justamente essas críticas, de pessoas que não me conhecem e que não se sentem na obrigação de serem cordiais, que me ajudaram a entender o que me incomodava nos meus textos.

E o que tanto me incomodava?

Cometi os erros básicos de todo escritor iniciante quanto aos seus personagens, sentia que eles não me convenciam, salvo os personagens de crônicas.

Eram apenas nomes dentro de um texto, com uma descrição física e ações mecânicas, superficiais. Este foi o primeiro ponto que identifiquei.

Comecei a prestar atenção aos enredos que chamavam minha atenção e que não evanesciam da memória tão logo a leitura terminasse. Não por coincidência eram textos com personagens ricos, apresentados em várias nuances ao longo da história.

Outro ponto que também me chamou a atenção foi a ambientação do local das ações. Em alguns textos não era possível visualizar com clareza o ambiente em que as ações se passavam, já em outros parecia que eu estava no local, observando o decorrer da história de dentro dela!

Eis a fórmula. Porém há o desafio de descrever na medida certa, sem cansar o leitor.

Em paralelo a estas constatações, sigo afirmando a importância da fase de pesquisa. Isso mesmo. Um verdadeiro garimpo de detalhes que fazem a diferença.

Na minha opinião, melhor do que escrever que meu protagonista segue ideais iluministas, é convencer meu leitor através de sua conduta, diálogos e ações de que ele é um seguidor do racionalismo filosófico de sua época.

E para tanto, decidi mergulhar na leitura do legado dos filósofos iluministas. Quero entender suas ideias, convicções, seus argumentos e ter o máximo de informações do pensamento filosófico da França e Inglaterra do século das luzes.

Acredito que desta forma será mais fácil dar a profundidade necessária aos meus personagens e ao enredo.

Depois desta autoanálise, recorro ao exercício de reescrever pela quarta vez meu primeiro romance. E o reescreverei pela centésima nona vez se for necessário, até que me convença. O objetivo é fazer a sensação de “Ainda não é isso…” desaparecer por completo.

E aos leitores deste espaço peço licença, mas por um bom motivo, afinal não posso deixar Descartes, Rousseau, Voltaire e Diderot sem uma companhia feminina.





A Anti-Heroína Incompreendida

11 05 2009

É um rótulo enigmático, mas totalmente adequado para o momento. Aos curiosos, tento dissecar a alma da protagonista que não é tola ou boazinha o suficiente para ser chamada de mocinha e nem tão malévola a ponto de ser tachada de vilã. Esta é uma anti-heroína. Sempre no meio do caminho. Sempre defendendo seus pontos de vista. Disso jamais abre mão.

Não tente enganá-la, ela sabe. Se sucumbir aos seus encantos é porque de alguma forma isso será proveitoso para ela também.

Lembre-se: Você não está lidando com a mocinha da história. Pare para pensar que talvez você esteja sendo manipulado. Ela conhece seus pontos fracos, aqueles que você lhe contou ao pé do ouvido, quando estava totalmente convencido de que ela estava bêbada. Bêbada? Só se for propositalmente. Só se perceber que seu objeto de desejo é potencialmente mais fraco e adora ser o dono da situação.

Na grande maioria das vezes a anti-heroína é orgulhosa e faz tudo para manter o seu orgulho intacto. Não tente ser mais esperto do que ela. Não há nada mais detestável do que um amador querendo se passar por profissional. Mentiras e omissões são sinônimos para ela.

De novo o conselho: Você não está lidando com a mocinha da história. Se a sua intenção é apenas levá-la para a cama, diga a ela! Com certeza não se fará de rogada se você souber cativá-la. Pode apostar. Mas não minta dizendo que ela é a única, se ela não for. Ela saberá a verdade e mesmo que seja uma única noite descompromissada, não vai perdoá-lo por subestimá-la desta forma. Anti-heroínas não suportam serem subestimadas.

Se você não está preparado para uma mulher forte, esqueça. Aqui cabe o ditado:

“Ame-a ou deixe-a”.

Espero que agora tenha me feito entender.